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Em face da polaridade das eleições presidenciais de 2022, um novo capítulo foi acrescentado ao rol de assédios possíveis no ambiente de trabalho. O assédio eleitoral.

O assédio eleitoral em uma relação de emprego ocorre quando um empregador ou mesmo colegas de trabalho, especialmente com superioridade hierárquica, tentam influenciar ou pressionar um funcionário a votar de uma maneira específica, apoiar um candidato ou partido político em particular ou participar de atividades políticas em desacordo com sua vontade ou liberdade de escolha.

Manifesta-se na forma de coação, mediante ameaças de retaliação, promoção ou demissão; na forma de intimidação, ou de discriminação, quando se dispensa tratamento injusto ou desigual a empregado ou grupo de empregados por questões de cunho político.

Ocorre que a soberania popular, na República Federativa do Brasil, é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, sendo, portanto, um direito fundamental que deve ser respeitado e preservado. O ordenamento jurídico pátrio resguarda, pois, a liberdade de consciência, de expressão e de orientação política (CRFB/88, art. 1º, II e V; 5º, VI, VIII). Assim, o livre exercício da cidadania é assegurado, principalmente, por meio do voto direto e secreto, nele incluído, pois, a liberdade de escolha de candidatos, no processo eleitoral, por parte de todos, inclusive, dos empregados.

Ainda, a Convenção nº 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aplicável por força do art. 8º da CLT, estabelece, em seu art. 5º, o dever de respeitar, de promover e de realizar os princípios e os direitos fundamentais no trabalho, reconhecendo, por conseguinte, que a violência e o assédio no ambiente laboral constituem violações aos Direitos Humanos e configuram verdadeira ameaça à igualdade de oportunidades no trabalho e no emprego.

Assim sendo, o assédio eleitoral no ambiente de trabalho, perpetrado mediante a interferência do empregador nas orientações pessoais, políticas ou eleitorais do empregado, configura:

(i)        Uma ofensa à soberania popular exercida através do ao sufrágio universal e à configuração republicana do nosso Estado de Direito, fundado no pluralismo político, o qual pressupõe a coexistência de distintas interpretações políticas no âmbito social (art. 1º, incisos I e V, CRFB/88), e

(ii)       Uma ofensa ao direito individual e fundamental do empregado ao voto, de livre escolha e secreto, com igual valor para todos (art. 1º, incisos III e IV art. 5º, caput e inciso II, CRFB/88).

A Constituição Federal de 1988 protege a intimidade, a vida privada, a autodeterminação e a liberdade de consciência e manifestação do pensamento (art. 5º, caput, incisos II, IV, VI, IX, X, CRFB/88), sendo vedado que uma pessoa seja privada de seus direitos em razão de convicção política (art. 5º, VIII, CRFB/88).

Particularmente, no âmbito do direito do trabalho, ninguém pode sofrer discriminação em razão de opinião política, nos termos dos arts. 3º, 5º, XLI e 7º, XXX, XXXI, da CRFB/88e Lei nº 9.029/95.

As diretrizes estabelecidas pelos dispositivos legais acima objetivam assegurar a igualdade, a dignidade da pessoa humana, a soberania popular por intermédio do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, além de coibir discriminações de todo tipo, o que inclui, por óbvio, aquelas relacionadas à liberdade de convicções, de pensamento político e do exercício pleno dos direitos a estes interligados.

A Resolução CSJT nº 355/2023 de 23.04.2023, que regulamenta os procedimentos administrativos a serem adotados em relação a ações judiciais que tenham por objeto o assédio eleitoral nas relações de trabalho, definiu, em seu artigo 2º e parágrafo único, o que seria, em tese, o assédio eleitoral:

Art. 2º – Para fins da presente Resolução, considera-se assédio eleitoral toda forma de distinção, exclusão ou preferência fundada em convicção ou opinião política no âmbito das relações de trabalho, inclusive no processo de admissão.

Parágrafo único. Configura, igualmente, assédio eleitoral a prática de coação, intimidação, ameaça, humilhação ou constrangimento, no intuito de influenciar ou manipular o voto, apoio, orientação ou manifestação política de trabalhadores e trabalhadoras no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho.

Assim, observa-se que o assédio eleitoral, no âmbito laboral, refere-se a uma conduta abusiva do empregador que, utilizando-se do seu poder diretivo, adota práticas de coação, intimidação ou constrangimento a fim de influenciar o(a) empregado(a) a votar ou apoiar candidato(a) de sua predileção. Nesse sentido, evidencia-se que a tentativa de ingerência sobre o voto dos trabalhadores atenta contra o livre exercício dos direitos políticos e configura o assédio eleitoral, representando, pois, abuso do poder diretivo da empresa.

Em outras palavras, o respeito ao exercício do voto e à formação de convicção política de forma autônoma e livre, em qualquer ambiente e, em especial, no ambiente de trabalho, é condição essencial ao desenvolvimento da soberania de um povo, à garantia da cidadania, à democracia e à efetividade dos direitos transindividuais. Qualquer interferência visando ao controle dessa espécie de liberdade configura a lesão, não só ao trabalhador coagido diretamente, como à coletividade, indireamente, devendo ser, portanto, prontamente rechaçada pelo Poder Judiciário, por intermédio de tutelas inibitórias, bem como, pelo estabelecimento de indenização por danos morais coletivos e individuais.

Inclusive, já há farta jurisprudência pátria evidenciando a condenação de empregadores em indenizações por danos morais, seja em ação individual ou em ação coletiva, em razão da prática de assédio eleitoral no ambiente de trabalho.

Abaixo, destacamos alguns julgados.

66552278 – ASSÉDIO ELEITORAL. TEORIA DO ENFOQUE DE DIREITOS HUMANOS. INOBSERVÂNCIA DE DIREITOS HUMANOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 A SEREM RESGUARDADOS PELA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, INCLUSIVE NAS RELAÇÕES PRIVADAS. DANOS MORAIS. 1. A teoria do Enfoque de Direitos Humanos aplicada ao Direito do Trabalho representa novo paradigma hermenêutico que propõe interpretação e aplicação do Direito do Trabalho orientada por uma visão humanística, na qual os direitos sociais são enxergados como direitos humanos, com vistas à sua efetividade, destacando o valor social do trabalho e o trabalhador enquanto ser humano nas relações de trabalho. 2. A obrigatoriedade de uso de camiseta de cor sabidamente associada a partido político, quatro dias antes do segundo turno das eleições presidenciais, configura assédio eleitoral, restanto tal conduta inclusive capitulada como crime eleitoral, em tese, conforme arts. 299 e 301 do Código Eleitoral. 3. A interpretação sistemática da Constituição da República e dos seus princípios e direitos fundamentais, notadamente os valores sociais do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a melhoria das condições sociais do trabalhador e a função social da propriedade (arts. 1º, III e IV, 7º, caput, e 170, III e VIII), aponta para a direção diametralmente oposta à discriminação de trabalhadores com limitações de qualquer ordem, inclusive em razão de doenças, sejam elas físicas ou mentais. No mesmo compasso, a Convenção 111 da OIT e o Pacto de San José da Costa Rica, ambos ratificados pelo Brasil. 4. Direitos humanos, princípios, direitos e garantias constitucionais que são aplicáveis nas relações jurídicas estabelecidas com base na doutrina alemã de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. 5. O sofrimento e o abalo emocional resultantes da situação em foco são mais do que evidentes e dispensam a prova de sua efetividade, pois o dano moral é definido, pela legislação, ilícito de ação, e não de resultado, de modo que o dano se esgota em si mesmo (na ação do ofensor) e dispensa a prova do resultado (damnum in re ipsa). Desta maneira, com fulcro nos arts. 186 e 927 do Código Civil, c/c art. 5º, X da CF/88, reputo cabível a condenação da ré no pagamento de indenização por danos morais. (TRT 4ª R.; ROT 0020207-29.2023.5.04.0373; Oitava Turma; Rel. Des. Marcelo Jose Ferlin D´Ambroso; DEJTRS 02/08/2024).

17831695 – DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL ELEITORAL. CARACTERIZAÇÃO. Demonstrado que o autor sofreu assédio moral eleitoral no ambiente de trabalho, a condenação à reparação pelos danos morais é medida que se impõe. Inteligência dos artigos 186 e 927 do CC e 7º, XXVIII, da CF. (TRT 3ª R.; ROT 0011160-92.2022.5.03.0082; Décima Primeira Turma; Rel. Des. Marco Antonio Paulinelli de Carvalho; Julg. 23/05/2024; DEJTMG 24/05/2024; Pág. 2598)

31374290 – ASSÉDIO ELEITORAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. AUSÊNCIA DE PROVAS. NÃO CONFIGURAÇÃO. A liberdade de opinião política constitui direito fundamental assegurado pela Constituição Federal (art. 1º, II e V e art. 5º, VI e VIII) E não pode ser cerceada pelo exercício abusivo do poder diretivo do empregador. É vedada qualquer conduta do empregador no sentido de coagir o trabalhador a votar em candidato político de sua preferência. Trata-se de preceito elementar do Estado Democrático de Direito e sua eventual violação constitui ônus da prova de quem alega (CLT, art. 818, I). No caso, tendo em vista que a condenação do réu fundamentou-se em provas produzidas nos autos do Inquérito Civil, não submetidas ao crivo do contraditório, e considerando não terem sido produzidas outras provas capazes de comprovar o alegado assédio eleitoral exercido pelo empregador, impõe-se a rejeição da Ação Civil Publica. (TRT 12ª R.; ROT 0000735-80.2022.5.12.0041; Quarta Turma; Rel. Des. Nivaldo Stankiewicz; DEJTSC 21/05/2024)

23193475 – ASSÉDIO ELEITORAL. CONFIGURAÇÃO. ATENTADO À LIBERDADE INDIVIDUAL DE CIDADANIA E DE CONSCIÊNCIA POLÍTICA. VALORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. GRAVIDADE DO DANO. CAPACIDADE DE RESISTÊNCIA DA VÍTIMA. É sabido, mas não custa reforçar que a soberania popular, na República Federativa do Brasil, é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, sendo, portanto, direito fundamental. O ordenamento jurídico pátrio resguarda a liberdade de orientação política. O livre exercício da cidadania é assegurado, principalmente, por meio do voto direto e secreto, nele incluído, pois, a liberdade de escolha de candidatos, no processo eleitoral, por parte de todos, inclusive, os empregados. Nesse sentido, a interferência do empregador nas orientações pessoais, políticas ou eleitorais do empregado, como aconteceu no caso dos autos, ofende o art. 5º, caput e inciso II, da Constituição Federal de 1988, e contraria a configuração republicana do nosso Estado de Direito (art. 1º, incisos III e V), fundado no pluralismo político. O assédio eleitoral é conduta abusiva que atenta contra a dignidade do trabalhador, submetendo-o a constrangimentos e/ou humilhações, com a finalidade de obter o engajamento subjetivo da vítima. No caso dos autos, o objetivo era induzir a vítima a votar em determinado candidato à presidência. Ao transmitir “o recado principal” de que, se o candidato à presidência adversário ganhasse, teria “medo do que vai acontecer nesta economia, eu não vou conseguir investir mais, tá, então, vou ter reduzir meus custos, então a primeira coisa que eu vou cortar é aquela gorjeta que eu dou para vocês fim da safra, tá, esse não vai ter mais, tá?”, o réu constrangeu, praticamente obrigando o autor e seus colegas a não votarem em determinado candidato, sob pena de redução salarial com perda imediata da gorjeta e, ainda, foi além das suas ameaças e disse “infelizmente depois eu não sei o que vai acontecer, se a gente vai ter que demitir mais gente depois, porque eu sei que a política econômica dele trava empresário”, ameaçando seus empregados com a perda do emprego. Agindo assim, o réu ultrapassou os limites do poder empregatício e a sua conduta configurou abuso de direito (art. 187, do Código Civil). Considera-se adequada, razoável e proporcional a majoração do valor da indenização por assédio moral eleitoral para R$15.000,00 (quinze mil reais), diante da enorme gravidade do assédio praticado, do elevado grau de culpa do réu que deliberadamente condicionou a manutenção do emprego ao voto, das condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral, da situação social e econômica das partes envolvidas, além da diminuta capacidade de resistência da vítima, que se viu quase que diante de uma coação irresistível para mudar sua convicção política e votar no candidato imposto pelo patrão, bem como diante do grau de publicidade da ofensa, que foi difundida para todos os empregados via áudio. (TRT 9ª R.; ROT 0000174-04.2023.5.09.0656; Segunda Turma; Relª Desª Rosemarie Diedrichs Pimpão; Julg. 12/03/2024; DJE 15/03/2024)

23191222 – I. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. ASSÉDIO ELEITORAL. DANO MORAL COLETIVO. O assédio eleitoral não se perfaz apenas com condutas relacionadas a ameaça, coação ou obtenção de vantagem ou benefício, podendo ser caracterizada também pelo constrangimento do trabalhador, no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho, com a finalidade de influenciar a orientação política e o voto deste, configurando ilegítima interferência na liberdade de consciência e de orientação política do trabalhador, o que ficou devidamente comprovado pelo teor do e-mail enviado pelo sócio da ré. No caso, ficou devidamente provado que o sócio da ré quis utilizar o seu poder econômico e patronal para influenciar os votos de seus empregados, sendo que o exercício do direito de voto é personalíssimo e sagrado em uma democracia, devendo cada cidadão guardar para si a sua própria opinião quanto a ser o melhor candidato, a melhor proposta, para as eleições governamentais e/ou parlamentares, não cabendo ao empregador ou quem o represente utilizar o seu poder patronal ou econômico para divulgar a todos os seus empregados a sua própria opinião quanto a preferência a determinado candidato ou contrário a outro. Ao contrário do que diz a parte ré, não se trata de mero de direito de manifestação do empregador, pois até esse direito tem limites constitucionais e legais, não podendo ser extrapolado para intimidar ou ameaçar, mesmo que de forma velada, seus empregados, diante de suas escolhas políticas em eleições governamentais e/ou parlamentares, pois esse tipo de atitude mancha o estado democrático brasileiro, fere a liberdade de escolha política dos cidadãos e cidadãs brasileiras, e não pode ser tolerada nem permitida pelo Poder Judiciário, muito menos pela Justiça do Trabalho, a qual também tem a responsabilidade de reprimir tais atitudes antidemocráticas, inconstitucionais e ilegais. Portanto, concluo que a empresa ré infringiu os princípios constitucionais inerentes à democracia brasileira (arts. 1º e V, 5º, VI e VIII, e 14, todos da CRFB de 1988) e também os arts. 186 e 187 do Código Civil, art. 21 da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), art. 25 da Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU. PIDCP/ONU de 1966 (Decreto nº 592/1992) e previsto nos arts. 13 e 32 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. CADH/OEA, 1969 (Decreto nº 678/1992), art. I, “a” da Convenção 111 da OIT, Recomendação 206 e Convenção nº 190 da OIT), caracterizando o assédio moral eleitoral à coletividade, nos termos de que trata o art. 2º da Resolução do CSJT nº 355/2023. Consigno que é irrelevante a discussão acerca da quantidade de empregados atingidos pela conduta ilícita do preposto da ré, uma vez que a configuração do assédio eleitoral independe do número de trabalhadores que receberam o e-mail, bastando que haja constrangimento do trabalhador em situações relacionados ao trabalho, o que foi devidamente provado no feito. Entendo que nos casos de assédio eleitoral, o dano é in re ipsa, derivando do próprio ato ilícito praticado, que viola direitos constitucional e internacionalmente assegurados, ultrapassa a esfera individual e causa dano à coletividade, ensejando dano moral coletivo a ser reparado. Condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo mantida. II. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. ASSÉDIO ELEITORAL NO SEGUNDO TURNO DA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2022. TUTELA INIBITÓRIA. PERDA DO OBJETO. No caso, ficou devidamente comprovado que a ré, por meio de seu sócio, praticou assédio eleitoral em face de seus empregados, ato que deve ser veemente repudiado. No entanto, entendo que a tutela inibitória pretendida, bem como a determinação de publicação de nota de retratação pela ré, perderam seu objeto, na medida em que o ato praticado esteve voltado exclusivamente às eleições presidenciais do ano de 2022, período em que se observou intensa polarização política, a prática de ato irresponsáveis e criminosos de alguns fanáticos culminaram em mortes de pessoas inocentes, em paralisação de estradas pelo país, em desordem, em arruaças, em destruição do patrimônio público em Brasília, como acompanhamos pela imprensa escrita e televisiva, no dia 08 de janeiro de 2023. Não há nenhuma evidência factível de que tal ato será objeto de repetição nas próximas eleições, quer municipais, estaduais ou mesmo presidencial, não sendo nem sequer possível cogitar quem serão os candidatos, os partidos políticos envolvidos ou mesmo se os graves atos de intolerância política praticados no ano de 2022 se repetirão. Recurso do autor a que se nega provimento, no particular. (TRT 9ª R.; ROT 0000771-92.2023.5.09.0002; Primeira Turma; Rel. Des. Edmilson Antonio de Lima; Julg. 27/02/2024; DJE 05/03/2024)

28451952 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASSÉDIO ELEITORAL. VIOLAÇÃO DA LIBERDADE DE PENSAMENTO E DE CONVICÇÃO POLÍTICA. ATOS INTIMIDATÓRIOS PRATICADOS PELO EMPREGADOR PARA CERCEAR O LIVRE EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO PELOS EMPREGADOS. RANÇO CORONELISTA. ILICITUDE MANIFESTA. TUTELAS INIBITÓRIAS DEVIDAS. A cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político são, dentre outros, fundamentos da República Federativa do Brasil. O art. 5º da Constituição da República elegeu a liberdade de consciência e de pensamento, dentre outros valores democráticos, como lastros de cidadania invioláveis, não sendo lícito a ninguém, mormente pelo uso de meios intimidatórios, tentar cercear essa plêiade de liberdades públicas que constituem cláusulas pétreas de nossa Constituição. O sufrágio universal pelo voto direito e secreto é expressão da soberania popular, com valor igual para todos, devendo ser exercido de forma livre, consciente, sem interferências, sem coação, sem ameaças. No âmbito da relação de emprego, em que a liberdade do trabalhador já é bem mitigada pela dependência econômica que se estabelece entre patrão e empregado, a tentativa patronal de fazer uso do seu poder econômico para cercear a liberdade política de seus subordinados ganha contornos ainda mais graves. É o ranço do coronelismo, como afirmação anormal do poder privado, tão bem retratado por Vítor Nunes Leal em sua obra seminal Coronelismo, Enxada e Voto, que ainda persiste em alguns setores de nossa sociedade, tanto no meio rural quanto no meio urbano. No caso presente, o conjunto da prova produzida revela que havia efetivamente a prática de assédio eleitoral praticado pelos réus, o que impõe o deferimento das tutelas inibitórias requeridas pelo Ministério Público do Trabalho. TUTELA DE NATUREZA REPARATÓRIA. DANO MORAL COLETIVO. INDENIZAÇÃO. DEVIDA. A Constituição da República abriga no seu seio protetivo não apenas interesses individuais, mas sobretudo privilegia a tutela dos interesses coletivos no seu sentido lato, reconhecendo explicitamente a possibilidade de lesões metaindividuais, como no caso do patrimônio público e da moralidade administrativa protegidas pela ação popular (art. 5º, LXIII). Especificamente no campo dos danos morais, o constituinte alargou essa proteção adotando o princípio da reparação integral (art. 5º, V e X). Perfilhando esse fundamento constitucional, o legislador ordinário ampliou o uso da ação civil pública para a reparação de danos morais e patrimoniais causados a qualquer interesse difuso ou coletivo (art. 1º, caput e IV, da Lei nº 7.347/85), conferindo, desse modo, guarida ao chamado dano moral coletivo. No capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, a Carta de 1988 traz um elenco de valores individuais e coletivos que devem ser protegidos pelo Estado (art. 5º). Alguns desses valores extrapolam o plano da individualidade e assumem também uma dimensão coletiva, pois se inserem no campo ético da sociedade ou de um determinado grupo social. É o caso da liberdade de exercício da cidadania, de expressão do pensamento, de opinião política e do livre exercício do direito de voto, que são alicerces para o Estado Democrático de Direito. O dano moral coletivo não carece de prova porque é uma decorrência do próprio ato lesivo. Como bem leciona o Procurador Regional do Trabalho Xisto Tiago de Medeiros Neto, em artigo publicado na Revista do Ministério Público do Trabalho nº 24, de setembro de 2002, o sistema jurídico se contenta com a simples ocorrência da conduta danosa, diante da consciência que emerge de que certos fatos atingem e lesionam a esfera da moralidade coletiva. A prática do assédio eleitoral, mormente no âmbito da relação de emprego, constitui uma violência simbólica não apenas contra os atingidos, mas sobretudo contra toda a sociedade, que guarda, dentre seus valores morais e políticos, a liberdade de consciência política e de seu livre exercício como células vitais da democracia. Desse modo, revela-se evidente que a conduta antijurídica dos réus causaram efetivamente um dano moral coletivo, sendo devida a reparação. Recurso conhecido e provido. (TRT 10ª R.; ROT 0000375-67.2022.5.10.0861; Segunda Turma; Red. Juiz Conv. Francisco Luciano de Azevedo Frota; DEJTDF 25/03/2024; Pág. 1297)

27196430 – RECURSO DA RECLAMADA. ASSÉDIO ELEITORAL. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO DEVIDA. À Luz da Resolução CSJT 355/2023, considera-se assédio eleitoral toda forma de distinção, exclusão ou preferência fundada em convicção ou opinião política no âmbito das relações de trabalho, inclusive no processo de admissão, mas também o configura a prática de coação, intimidação, ameaça, humilhação ou constrangimento, no intuito de influenciar ou manipular o voto, apoio, orientação ou manifestação política de trabalhadores no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho. No caso, à vista das provas produzidas, robustamente demonstrado o alegado assédio eleitoral sofrido pela reclamante no âmbito da relação de trabalho, impõe-se às partes reclamadas o dever de reparação por danos morais. Recurso ordinário a que se nega provimento. RECURSO DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. Em não se tratando a hipótese dos autos de responsabilidade do tomador de serviços pelas obrigações trabalhistas inadimplidas pela prestadora de serviços, a atrair a aplicação do enunciado da Súmula nº 331 do TST, mas sim de pedido de indenização por danos morais, decorrentes de assédio eleitoral, cuja autoria se confunde, no caso, entre prestadora e tomador de serviços, ainda que este seja ente público, impõe-se a responsabilidade solidária, consoante prevista no artigo 942 do CC. Recurso ordinário a que se nega provimento. RECURSO DA RECLAMANTE. INSALUBRIDADE. LOCAL DE TRABALHO DESATIVADO POR FORÇA DA PANDEMIA. ADICIONAL INDEVIDO. Confessando a reclamante, em depoimento pessoal, que, ao longo do seu contrato de trabalho, permaneceu desativada a escola estadual, na qual prestava serviços de merendeira, por força da pandemia, não se há de falar em direito ao adicional de insalubridade, ainda que o laudo pericial produzido nos autos enquadre a sua atividade como insalubre. Recurso ordinário a que se nega provimento. DISPOSITIVO:. (TRT 13ª R.; ROT 0000129-93.2023.5.13.0007; Primeira Turma; Relª Desª Rita Leite Brito Rolim; DEJTPB 15/02/2024; Pág. 159)

34325866 – ASSÉDIO ELEITORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. A Constituição Federal protege o direito político, ao prever em seu art. 5º, VIII, que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”. Assim, a interferência ostensiva do empregador na escolha de voto do empregado atenta contra o livre exercício dos direitos políticos e o sigilo do voto, suplantando os limites do poder diretivo e configurando assédio eleitoral. (TRT 17ª R.; ROT 0001156-46.2022.5.17.0004; Primeira Turma; Relª Desª Wanda Lúcia Costa Leite França Decuzzi; DOES 11/03/2024)

17792430 – ASSÉDIO ELEITORAL. DANOS MORAIS COLETIVOS E INDIVIDUAIS. A configuração de assédio eleitoral no ambiente de trabalho envolve não apenas a análise de ofensa ao sufrágio universal, mas também ao direito individual e direto; secreto e sagrado; fundante e fundamental ao livre exercício do direito ao voto, com igual valor para todos, além de abranger, outro tanto, com a mesma extensão e intensidade, o respeito ao pluralismo político e à livre convicção política, alicerces do Estado Democrático de Direito. Adentra, igualmente, em questões que perpassam outros direitos fundamentais, tais quais a dignidade da pessoa humana, a intimidade, a saúde mental do trabalhador e toda a essência dos valores sociais do trabalho, além de galvanizar, como pontilhado, a democracia. A Constituição Federal, em seu art 1º, elenca a base, na qual se fundamenta o Estado Democrático de Direito, a saber: I. A soberania; II. A cidadania; III. A dignidade da pessoa humana; IV. Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V. O pluralismo político. Já os artigos 3º, 5º, 7º, e 14, também constitucionais, garantem os direitos individuais e os fundamentais, nos quais se sustenta. Ou deveria se sustentar. A nossa democracia. Esses dispositivos legais constituem norte, vale dizer, verdadeiropharus, para as relações sociais, posto que têm o escopo de assegurar a igualdade, a dignidade da pessoa humana, a soberania popular por intermédio do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, além de coibir discriminações de todo tipo, o que inclui, por óbvio, aquelas relacionadas à liberdade de convicções, de pensamento político e do exercício pleno dos direitos a estes interligados. Nos termos do art. 2º e parágrafo único, da Resolução CSJT Nº 355/2023, que regulamenta os procedimentos administrativos a serem adotados em relação a ações judiciais que tenham por objeto o assédio eleitoral nas relações de trabalho, define-se: “Art. 2º Para fins da presente Resolução, considera-se assédio eleitoral toda forma de distinção, exclusão ou preferência fundada em convicção ou opinião política no âmbito das relações de trabalho, inclusive no processo de admissão. Parágrafo único. Configura, igualmente, assédio eleitoral a prática de coação, intimidação, ameaça, humilhação ou constrangimento, no intuito de influenciar ou manipular o voto, apoio, orientação ou manifestação política de trabalhadores e trabalhadoras no local de trabalho ou em situações relacionadas ao trabalho. Ademais, a referida Resolução foi editada, fundamentando -se, dentre outros, nos seguintes referenciais: “considerando a garantia constitucional de liberdade de crença e consciência, bem como a vedação de privação de direito por motivo de convicção política ou filosófica; considerando que a Constituição da República tem por objetivo promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; considerando que o ordenamento jurídico pátrio protege a liberdade de consciência, de expressão e de orientação política, bem como garante o livre exercício da cidadania, notadamente por meio do voto direto e secreto, que assegura a liberdade de escolha de candidatas ou candidatos, no processo eleitoral, por parte de todas as pessoas cidadãs, sendo direito fundamental de primeira dimensão; considerando que, nas suas relações internacionais, o Brasil rege-se pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, e que o PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS da ONU (1966) dispõe que todas as pessoas cidadãs têm direito sem quaisquer formas de discriminação, de votar e de ser eleito(a), em eleições periódicas, realizadas em sufrágio universal e igualitário, por meio do voto direto e secreto, e que garantam a livre manifestação de vontade dos(as) eleitores(as); considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 confere a todo ser humano a capacidade de direito e liberdades sem distinção de qualquer espécie, inclusive opinião política, combatendo a discriminação sob quaisquer de suas formas; considerando que a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho. OIT proíbe, em seu artigo. I, “a”, “toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão”; considerando que a Convenção nº 190 da OIT, aplicada por força do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho. CLT, estabelece, em seu artigo 5º, o dever de respeitar, promover e realizar os princípios e os direitos fundamentais no trabalho, nomeadamente a eliminação da discriminação relativamente a emprego e à profissão, devendo, igualmente, serem adotadas medidas objetivando a promoção do trabalho decente reconhecendo que a violência e o assédio no trabalho constituem violação aos direitos humanos; considerando que o poder diretivo do empregador é limitado pelos direitos fundamentais da pessoa humana, não podendo tolher o exercício dos direitos de liberdade, de não discriminação, de expressão do pensamento e do livre exercício do direito ao voto secreto, sob pena de se configurar abuso de direito, violando o valor social do trabalho, fundamento da República (CRFB/88, art. 1º, inciso IV), também previsto como direito social fundamental (CRFB/88, arts. 6º e 7º) e como fundamento da ordem econômica (CRFB/88, art. 170, caput, e art. 190); considerando, ainda, que a utilização do contrato de trabalho para o exercício ilícito de pressão ou de impedimento da fruição de direitos, de interesses ou de vontades do(a) empregado(a), é prática que viola a função social do contrato, prevista como baliza para os atos privados em geral, conforme art. 5º, inciso XXIII, e art. 170, inciso III, ambos da Constituição da República, bem como art. 421 do Código Civil, que dispõe que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”; considerando que, nos termos dos artigos 297, 299 e 301 do Código Eleitoral, a obstrução ao exercício do sufrágio; a concessão ou promessa de benefício ou vantagem em troca do voto, bem como o uso de violência ou ameaça com o intuito de coagir alguém a votar ou não votar em determinado(a) candidato(a), configuram crimes eleitorais, e, quando praticados no ambiente de trabalho ou em razão da relação de trabalho, tais condutas configuram assédio eleitoral laboral, ensejando a responsabilização do(a) assediador(a) na esfera trabalhista; e(…)”. De conseguinte, o respeito ao exercício do voto e à formação de convicção política de forma autônoma e livre, em qualquer ambiente e, em especial, no ambiente de trabalho, é condição essencial ao desenvolvimento da soberania de um povo, à garantia da cidadania, à democracia e à efetividade dos direitos transindividuais. Qualquer interferência visando ao controle dessa espécie de liberdade configura a lesão, não só ao trabalhador coagido diretamente, como à coletividade, devendo ser prontamente rechaçada pelo Poder Judiciário, por intermédio de tutelas inibitórias, bem como de indenização por danos morais coletivos e individuais. (TRT 3ª R.; ROT 0011163-18.2022.5.03.0027; Primeira Turma; Rel. Des. Luiz Otávio Linhares Renault; Julg. 21/09/2023; DEJTMG 22/09/2023; Pág. 1734)

66446900 – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO ELEITORAL. A Constituição Federal de 1988 protege a intimidade, a vida privada, a autodeterminação e a liberdade de consciência e manifestação do pensamento (art. 5º, caput, incisos II, IV, VI, IX, X, CF/88), sendo vedado que uma pessoa seja privada de seus direitos em razão de convicção política (art. 5º, VIII, CF/88). Ainda, no âmbito do direito do trabalho, ninguém pode sofrer discriminação em razão de opinião política, nos termos dos arts. 3º, 5º, XLI e 7º, XXX, XXXI, da CF/88 e Lei nº 9.029/95. Nesse sentido, tem-se que a tentativa de ingerência sobre o voto dos trabalhadores atenta contra o livre exercício dos direitos políticos e configura assédio eleitoral, representando abuso do poder diretivo da empresa. É o que ocorre no caso em análise, em que a prova dos autos confirma que os trabalhadores foram constrangidos pela reclamada a participar de reunião com o objetivo de direcionar sua escolha eleitoral. Dessa forma, resta caracterizado o dano moral indenizável. Recurso da reclamada desprovido. PROVA EMPRESTADA. PRECLUSÃO LÓGICA. As partes convencionam a utilização de prova oral emprestada de dois processos. Dessa forma, não pode a reclamada, após ter concordado com o uso dos depoimentos colhidos nos processos referidos, aduzir que eles foram prestados por testemunhas suspeitas, sob pena de violação aos princípios da boa-fé processual e da cooperação. Ademais, incide no aspecto os efeitos da preclusão lógica, sendo insubsistente a alegação da ré acerca da imprestabilidade dos depoimentos nos processos em questão. (TRT 4ª R.; ROT 0020964-33.2019.5.04.0124; Quarta Turma; Rel. Des. André Reverbel Fernandes; DEJTRS 08/03/2023)

À vista disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) celebraram no dia 16.05.2023 o Acordo de Cooperação Técnica nº 13.2023 com a finalidade de prevenir e reprimir as práticas de assédio eleitoral no ambiente de trabalho.

Ainda, considerando essa nova modalidade de assédio, alguns Tribunais Regionais do Trabalho criaram um canal de recebimento de denúncias que tenham por objeto o assédio eleitoral nas relações de trabalho, que assegura a proteção da identidade e dos elementos que permitam a identificação do denunciante, tais como o Tribunal de Pernambuco e de São Paulo.

https://www.trt6.jus.br/portal/denuncia-de-assedio-eleitoral
https://ww2.trt2.jus.br/ouvidoria/denuncia

Denúncias desta natureza também podem ser realizadas diretamente perante o Ministério Público do Trabalho.

https://peticionamento.prt7.mpt.mp.br/denuncia

E aí, já tava por dentro?

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